terça-feira, 23 de junho de 2009

Qualidade em Educação Exige Metas Ambiciosas



Para físico alemão, responsável pelo PISA, é preciso estabelecer padrões elevados de aprendizagem,sem deixar nenhum aluno para trás

Paola Gentile

Em 2009, estudantes brasilei­ros de 15 anos participarão mais uma vez do exame global de maior repercussão sobre a qualidade do ensino: o Pisa, sigla em inglês para Programa Internacional de avalia­ção de alunos. Nossos resultado; na prova de 2007 foram desanimadores: o Brasil ficou em 53" lugar em matemática e 52" em Ciências, entre 57 participantes, Em leitura, fomos o 48", entre 56 na­ções, já que os americano, não fize­ram o teste. O desempenho cho­cante, no entanto, pode apontar es­tratégias para deixar a rabeira do ranking. Na opinião do responsável pelo Pisa, o alemão Andreas Schleicher, traçar comparações entre resultado- algo corriqueiro nas Ciências naturais, mais pouco comum no campo da Educação - é uma maneira eficaz de entender por que jovens de países como Finlândia, Canadá e Coréia do Sul possuem desempenho tão superior ao dos brasileiros. As principais descober­ta,; indicam que as nações bem-su­cedidas miram alto, estabelecendo metas de qualidade ambiciosas, e garantem que todos consigam de fato aprender. Nesta entrevista a NOVA ESCOLA, concedida duran­te visita a São Paulo, em maio, Schleicher detalha como estruturar essas pratica e, assim, levar o Brasil a encontrar seu caminho para avan­çar mais rápido.

O que os países lanterninhas do Pisa precisam fazer para me­lhorar o desempenho em Edu­cação?
SCHLEICHER - Quem hoje está nas primeiras posições sempre estabeleceu padrões ambiciosos de qualidade e fez questão de compartilha-los com a sociedade, deixando bem claro pais, alunos e escolas aonde se queria che­gar. Nenhum dos líderes do ranking foi tímido no estabelecimento de metas
O que significa ser ambicio­so em termos de Educação?
SCHLEICHER- Significa definir objetivos altos para a rede e padrões individuais ele­vado, amparado pela certeza de que todo aluno é capaz de ter um bom desempenho - respeitando, é claro, sua trajetória particular de vida. Em geral, os sistemas baixam as expec­tativas em relado aos estudantes com dificuldades de aprendizagem, fazendo com que eles fiquem pre­sos a essa situação, provavelmente com outros colegas de resultados ruins. Por isso, é comum que alu­nos ditos "problemáticos" se con­centrem em escolas de baixo desem­penho. É o sistema que os leva ao fracasso,não o contrário
Não é realista exigir que países com sérias dificuldades econômicas e sociais estabele­çam metas ousadas?
SCHLEICHER- De jeito nenhum. Muita gente reclama que as comparações feitas com base no Pisa, que coloca países pobres ao lado das nações mais de­senvolvidas, são injustas. Mas, se finlandeses e canadenses com difi­culdades aprendem quando estão em um ambiente educacional ade­quado, isso também pode ocorrer em nações menos desenvolvidas.
Como garantir que todas as crianças aprendam?
SCHLEICHER - Reconhecendo e aceitando a di­versidade. No passado, concebía­mos as escolas no estilo militar: o professor; dava aula para todos os aluno de forma igual. Mas os es­tudantes são diferentes entre si, cada um vem de um contexto econômi­co e familiar distinto. As escolas, devem lidar de forma construtiva com esse tipo de diferença, o que é um grande desafio, (interessante notar que nos países em que o ensi­no é seriado e excludente, a dispo­sição dos docente, de se engajar para garantir o aprendizado é muito menor. E os alunos percebem isso. Quando perguntamos a ele, se o professor conhece seu potencial in­dividual, ele geralmente diz que o educador é bom, mas também que o trata da mesma forma que a to­dos os outros colegas.
De que maneira a escola deve lidar com a questão da diferen­ça?
SCHLEICHER- Até bem pouco tempo atrás, a estratégia mais comum era separar os estudantes em grupos. Quem não se saia bem continuava mal no ano seguinte ou era mandado para uma escola com menores exigênci­as. A diversidade era enfrentada classificando o estudante, e, assim, os professores se isentavam da respon­sabilidade de ensinar. Mas é impossível dar a mesma aula para 30 crianças diferentes. Escolas e educadores devem perceber que alunos co­muns têm capacidades e talentos fantásticos. Onde estão os pontos fortes de cada um deles? Como de­terminada criança pode desenvolver o tipo de talento que tem? Trata-se de personalizar o aprendizado para fazer com que todos cresçam.
Geralmente o professor é res­ponsabilizado pelo fracasso do aluno, nunca pelo sucesso. Como mudar isso?
SCHLEICHER - Os sistemas educacionais preci­sam oferecer soluções , e os professores, usá-las. No Japão, um professor não tem como se livrar de um aluno que não aprende, mas ele também não é abandonado com o problema. A. escola assume junto a responsabilidade pelo desenvolvi­mento do estudante.
o aprendizado deve ser bus­cado por meio de currículos es­pecíficos ou diretrizes amplas?
SCHLEICHER- Antigamente, dizia-se ao pro­fessor exatamente o que ele deveria fazer e existia um currículo bem es­pecífico e fechado. Na minha opi­nião, esse não é o caminho, mas também não pode haver liberdade total. O que funciona de verdade é indicar ao docente o que realizar, dando a oportunidade de escolher os próprios métodos. Mas não pode ser cada um por si. Os docen­tes precisam trabalhar em conjunto e em articulação com grupos locais para formular' as propostas mais adequadas à realidade de cada lugar. Na Finlândia, por exemplo, não há um currículo Único, mas existem padrões nacionais e cada comuni­dade é responsável pelo desenvolvimento curricular.
De que forma esse trabalho coletivo pode contribuir para a melhoria da qualidade da Edu­cação?
SCHLEICHER -Primeiro, porque isso gera um envolvimeI1ro muito maior dos educadores na tomada de decisões sobre como ensinar. Segundo, por­que o contato com pessoas que exer­cem várias outras profissões cria uma atmosfera muito positiva de soma, recombinação e síntese de saberes de diferentes campos. É um processo mais atinado com a atual sociedade do conhecimento, pois ultrapassa a mera transmissão de saberes.
Nesse sentido, parece que a Educação está ainda bem atrasa­da em relação a outras áreas.
SCHLEICHER- Sim. Em geral, essa partilha de saberes não ocorre nos sistemas educacionais da grande parte das nações. Um exemplo é a atitude di­ante dos erros. Na medicina, quan­do se comete um erro em um hos­pital, outras pessoas em outros hos­pitais aprendem com ele. Isso se dá o tempo todo e ajuda a fazer avan­çar o conhecimento. A troca de in­formações é constante e ocorre em nível mundial. Na Educação, ao con­trário, o erro não é usado para me­lhorar a profissão. Da mesma for­ma, se você é um bom professor e criou soluções inteligentes para en­sinar um determinado conteúdo, o mais provável é que ninguém saiba disso. Se sua escola é boa, é difícil que alguém aprenda com base nas experiências dela. Nesse ponto, a maioria dos países precisa melho­rar muito em relação ao que vem sendo feito.
Além de metas ambiciosas e atenção a todos os alunos, que outros aspectos os lideres do Pisa compartilham? .
SCHLEICHER- Uma característica comum aos sistemas educacionais eficientes é que todos eles atraem as pessoas mais capacitadas para o Magistério. Os salários iniciais são bons, o car­go é valorizado e há a perspectiva de crescimento profissional. Tam­bém existe um eficiente sistema de apoio ao trabalho em sala de aula. Outro aspecto é que há a constante busca para equilibrar a autonomia do professor e da escola com a gran­de responsabilidade que os acom­panha.
Autonomia e responsabilida­de não são princípios conflitantes?
SCHLEICHER- De jeito nenhum. Em muitos paises, é possível observar que es­ses dois fenômenos andam de mãos dadas. Na Suécia, um diretor de escola pode decidir se contrata mais professores ou se compra mais livros. Ou, no caso de ele ter um docente excelente na equipe, se deve pagar a ele mais do que aos outros. Quer dizer, esse gestor tem autonomia econômica. Mas ele também é responsável pelo comprometimento com as diretrizes nacionais, os parâmetros que deixam explícitos os resultados a alcançar. Ou seja; cada escola tem indepen­dência para administrar seus recur­sos, mas o preço dessa liberdade é o compromisso com um padrão de qualidade.
Aferir qualidade exige avali­ação externa. Os educadores dos países de ponta não consideram isso uma interferência em seu trabalho?
SCHLEICHER- Não há nenhum tipo de cons­trangimento. A avaliação é encarada como um sistema que fornece per­manentemente informações deta­lhadas sobre o desempenho de alu­nos e professores. Os dados mos­tram os pontos que prensam ser melhorados, servindo mais como um diagnóstico e menos como uma amostra do nível onde se está.
O que os professores preci­sam fazer com esse diagnóstico?
SCHLEICHER- Podem usá-la para repensar a prática na sala de aula. Se um pro­fessor recebe apenas a pontuação de sua aula, é muito provável que não saiba o que fazer com ela. Já um profissional que utiliza os resulta­dos como forma, de aprimorar sua atuação tem em mãos uma ferramenta muito útil. Com a avaliação, o professor se vê no espelho, perce­bendo com clareza pontos fortes e fracos.
Há algum país em que o Bra­sil poderia se espelhar para dar esse salto de qualidade nas esco­las?
SCHLEICHER- Não acho possível copiar um sistema educacional. O que é factível é observar as atitudes que tiveram êxito. Por exemplo, a China é um pais pobre, mas o valor que a socie­dade atribui A Educação é enorme. Não é por acaso Que a instrução se constitui em um dos principais fa­tores de mobilidade social no país. Outro exemplo: a Coréia do Sul, que na década de 1960 tinha um sis­tema educacional muito pouco de­senvolvido - e atualmente é um dos melhores do mundo. A razão da mudança foi a mesma: a valoriza­ção da Educação, algo que ainda pre­cisa ser criado no Brasil.
Mas é possível conseguir Educação de qualidade sem o desenvolvimento social e econô­mico?
SCHLEICHER- É preciso antes de tudo averi­guar o que é causa e o que é efeito. Em geral, a atitude de quase todos os países da América do Sul tem sido a de esperar que a economia deslanche para, quando enriquecer, ter um ensino de qualidade. Mas os exemplos da Coréia do Sul e da China mostram o contrário: essas nações são duas das que mais se desenvolvem hoje porque investi­ram em Educação. Anteriormente, o mesmo aconteceu com os Esta­dos Unidos, que após a Segunda Guerra Mundial aplicaram muito dinheiro em instrução e Vêm co­lhendo bons resultados por déca­das. A atitude de aguardar o crescimento econômico para depois 'comprar' mais Educação é impro­vável de acontecer. O desenvolvi­mento econômico não garante nada. Nem é preciso olhar para fora para perceber isso: basta ver as esco­las brasileiras que têm recursos, mas não apresentam bons resultados quando comparadas à média. Por outro lado, é possive! apontar mui­tas instituições que, apesar das des­vantagens sociais, se saem bem.


Referência Bibliográfica
A Melhoria da Qualidade e da Equidade na Educação:
Desafios e Respostas Políticas
Andréas Schleicher, 72 págs.
Editora Moderna – Edição Esgotada

Um comentário:

Patrono disse...

Belo texto professor, parabéns ...

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