terça-feira, 2 de junho de 2009

A Educação e a Crise Financeira
Jornal O Estado de São Paulo 14/10/08

José Pastore

A depressão americana foi um tempo de grandes devastações. Os estragos do crash do dia 24 de ou­tubro de 1929 duraram mais de dez anos.
No início da crise (1929-32), os EUA perderam um terço do seu PIB. Os lucros das empresas redu­ziram-se a 25% do que eram. Os salários perderam 42% do poder aquisitivo A renda dos agricultores caiu 68% Foi um desastre colossal. Em 1933, 25% da força de tra­balho estava totalmente desempre­gada. Entre os empregados, o nú­mero de horas trabalhadas enco­lheu. O tempo parcial explodiu (John K. Galbraith, The Great Crash.1954).
O que aconteceu com a educa­ção no meio de tanto tumulto?
Nesse campo, os EUA executa­ram uma verdadeira operação de guerra, conseguindo ironicamente elevar o nível educacional da popu­lação. As dificuldades foram contornadas e superadas, uma a uma. Entre 1929-32, os salários dos pro­fessores sofreram um corte de 14% em termos reais. Houve muitas dispensas. Os diretores entraram em seu lugar passando a dar aulas que, em muitos casos, melhoraram de qualidade. Além disso, as escolas aumen­taram o tamanho das classes e am­pliaram o número de dias letivos, O número de crianças matriculadas na escola primária aumentou o mesmo ocorreu com os adolescen­tes do ensino médio. Por falta de oportunidades de trabalho, muitos prolongaram a sua estada na escola alunos e professores tiveram me­nos férias. Ninguém perdeu tempo enquanto o país estava quase pa­rado.
Um outro fato interessante: numa quadra em que todas as des­pesas públicas foram drasticamen­te cortadas, o governo aumentou as verbas para as bibliotecas. gran­des acervos passaram a atender os milhares de desempregados que lotavam as bibliotecas, transformando o ócio em aprendizagem. Criaram-se as bibliotecas itinerantes. A capilarização do conhecimento foi enorme. Em suma, o tempo foi muito bem usado' (David Tyack e outros, Public Schools in Hard Ti­mes, 1984).
Com esses remanejamentos e com uma forte dose de sacrifício, o desempenho das escolas americanas se manteve em nível bastante razo­ável e o capital humano reteve e até melhorou de qualidade. Foram es­sas engenhosas providências no campo da educação que viabilizaram o New Deal (1930-39) que precisou de gente motivada e preparada para o trabalho.
A Europa e o Japão no pós-­guerra também são exemplos de sucesso em matéria de recuperação acelerada. As guerras não destruíram as idéias. Nos dois casos, a ma­nutenção das escolas funcionando garantiu uma força de trabalho de boa qualidade. Os parlamentares americanos demoraram muito para aprovar o Plano Marshall porque queriam ter certeza de que os países da Europa podiam aumentar a produtividade do trabalho em 15% entre 1948 e 1952, o que foi ultra­passado graças aos cuidados Que tiveram com a educação .
A manutenção da capacidade para produzir e inovar foi um dos fatores mais importantes na reto­mada do desenvolvimento daque­les países; A preservação da ética do trabalho foi outro.
O mesmo aconteceu com a Coréia do Sul na década de 90. O colossal imbróglio financeiro em que o país se meteu também abalou o lado real da economia. Mas os 40 anos de bons investimentos em educação valeram muito A boa qualidade do ensino durante a crise ficou intacta.
Se essa foi a "receita" nas déca­das passadas, o que dizer dos dias atuais que passam por uma revolu­ção tecnológica meteórica que exige o domínio de uma imensidão de conhecimentos?
Convém prestar atenção nesses fatos. Os EUA , a Europa e a Ásia não morreram porque mantiveram seu povo educado e pronto para reagir rapidamente na hora da re­construção. Povos educados são sempre mais agressivos do que po­vos deseducados. É com eles que o Brasil terá de competir.
Precisamos evitar que a recessão venha a dilapidar o nosso capital humano que, ademais, está em fase de formação. Temos de investir com mais vigor na melhoria da qualida­de do ensino. Se há cortes a fazer nas despesas públicas - e há muitos -, que não seja na área da educação. É mais importante do que manter os recursos é usá-los bem, com es­pecial ênfase na melhoria da quali­dade dos professores e diretores. Mais uma coisa: sacrifícios adicio­nais serão indispensáveis e o corporativismo terá de ser contido.

'José Pastore é professor de re­lações do trabalho da Universidade de São Paulo

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