Para físico alemão, responsável pelo PISA, é preciso estabelecer padrões elevados de aprendizagem,sem deixar nenhum aluno para trás
Paola Gentile
Em 2009, estudantes brasileiros de 15 anos participarão mais uma vez do exame global de maior repercussão sobre a qualidade do ensino: o Pisa, sigla em inglês para Programa Internacional de avaliação de alunos. Nossos resultado; na prova de 2007 foram desanimadores: o Brasil ficou em 53" lugar em matemática e 52" em Ciências, entre 57 participantes, Em leitura, fomos o 48", entre 56 nações, já que os americano, não fizeram o teste. O desempenho chocante, no entanto, pode apontar estratégias para deixar a rabeira do ranking. Na opinião do responsável pelo Pisa, o alemão Andreas Schleicher, traçar comparações entre resultado- algo corriqueiro nas Ciências naturais, mais pouco comum no campo da Educação - é uma maneira eficaz de entender por que jovens de países como Finlândia, Canadá e Coréia do Sul possuem desempenho tão superior ao dos brasileiros. As principais descoberta,; indicam que as nações bem-sucedidas miram alto, estabelecendo metas de qualidade ambiciosas, e garantem que todos consigam de fato aprender. Nesta entrevista a NOVA ESCOLA, concedida durante visita a São Paulo, em maio, Schleicher detalha como estruturar essas pratica e, assim, levar o Brasil a encontrar seu caminho para avançar mais rápido.
O que os países lanterninhas do Pisa precisam fazer para melhorar o desempenho em Educação?
SCHLEICHER - Quem hoje está nas primeiras posições sempre estabeleceu padrões ambiciosos de qualidade e fez questão de compartilha-los com a sociedade, deixando bem claro pais, alunos e escolas aonde se queria chegar. Nenhum dos líderes do ranking foi tímido no estabelecimento de metas
O que significa ser ambicioso em termos de Educação?
SCHLEICHER- Significa definir objetivos altos para a rede e padrões individuais elevado, amparado pela certeza de que todo aluno é capaz de ter um bom desempenho - respeitando, é claro, sua trajetória particular de vida. Em geral, os sistemas baixam as expectativas em relado aos estudantes com dificuldades de aprendizagem, fazendo com que eles fiquem presos a essa situação, provavelmente com outros colegas de resultados ruins. Por isso, é comum que alunos ditos "problemáticos" se concentrem em escolas de baixo desempenho. É o sistema que os leva ao fracasso,não o contrário
Não é realista exigir que países com sérias dificuldades econômicas e sociais estabeleçam metas ousadas?
SCHLEICHER- De jeito nenhum. Muita gente reclama que as comparações feitas com base no Pisa, que coloca países pobres ao lado das nações mais desenvolvidas, são injustas. Mas, se finlandeses e canadenses com dificuldades aprendem quando estão em um ambiente educacional adequado, isso também pode ocorrer em nações menos desenvolvidas.
Como garantir que todas as crianças aprendam?
SCHLEICHER - Reconhecendo e aceitando a diversidade. No passado, concebíamos as escolas no estilo militar: o professor; dava aula para todos os aluno de forma igual. Mas os estudantes são diferentes entre si, cada um vem de um contexto econômico e familiar distinto. As escolas, devem lidar de forma construtiva com esse tipo de diferença, o que é um grande desafio, (interessante notar que nos países em que o ensino é seriado e excludente, a disposição dos docente, de se engajar para garantir o aprendizado é muito menor. E os alunos percebem isso. Quando perguntamos a ele, se o professor conhece seu potencial individual, ele geralmente diz que o educador é bom, mas também que o trata da mesma forma que a todos os outros colegas.
De que maneira a escola deve lidar com a questão da diferença?
SCHLEICHER- Até bem pouco tempo atrás, a estratégia mais comum era separar os estudantes em grupos. Quem não se saia bem continuava mal no ano seguinte ou era mandado para uma escola com menores exigências. A diversidade era enfrentada classificando o estudante, e, assim, os professores se isentavam da responsabilidade de ensinar. Mas é impossível dar a mesma aula para 30 crianças diferentes. Escolas e educadores devem perceber que alunos comuns têm capacidades e talentos fantásticos. Onde estão os pontos fortes de cada um deles? Como determinada criança pode desenvolver o tipo de talento que tem? Trata-se de personalizar o aprendizado para fazer com que todos cresçam.
Geralmente o professor é responsabilizado pelo fracasso do aluno, nunca pelo sucesso. Como mudar isso?
SCHLEICHER - Os sistemas educacionais precisam oferecer soluções , e os professores, usá-las. No Japão, um professor não tem como se livrar de um aluno que não aprende, mas ele também não é abandonado com o problema. A. escola assume junto a responsabilidade pelo desenvolvimento do estudante.
o aprendizado deve ser buscado por meio de currículos específicos ou diretrizes amplas?
SCHLEICHER- Antigamente, dizia-se ao professor exatamente o que ele deveria fazer e existia um currículo bem específico e fechado. Na minha opinião, esse não é o caminho, mas também não pode haver liberdade total. O que funciona de verdade é indicar ao docente o que realizar, dando a oportunidade de escolher os próprios métodos. Mas não pode ser cada um por si. Os docentes precisam trabalhar em conjunto e em articulação com grupos locais para formular' as propostas mais adequadas à realidade de cada lugar. Na Finlândia, por exemplo, não há um currículo Único, mas existem padrões nacionais e cada comunidade é responsável pelo desenvolvimento curricular.
De que forma esse trabalho coletivo pode contribuir para a melhoria da qualidade da Educação?
SCHLEICHER -Primeiro, porque isso gera um envolvimeI1ro muito maior dos educadores na tomada de decisões sobre como ensinar. Segundo, porque o contato com pessoas que exercem várias outras profissões cria uma atmosfera muito positiva de soma, recombinação e síntese de saberes de diferentes campos. É um processo mais atinado com a atual sociedade do conhecimento, pois ultrapassa a mera transmissão de saberes.
Nesse sentido, parece que a Educação está ainda bem atrasada em relação a outras áreas.
SCHLEICHER- Sim. Em geral, essa partilha de saberes não ocorre nos sistemas educacionais da grande parte das nações. Um exemplo é a atitude diante dos erros. Na medicina, quando se comete um erro em um hospital, outras pessoas em outros hospitais aprendem com ele. Isso se dá o tempo todo e ajuda a fazer avançar o conhecimento. A troca de informações é constante e ocorre em nível mundial. Na Educação, ao contrário, o erro não é usado para melhorar a profissão. Da mesma forma, se você é um bom professor e criou soluções inteligentes para ensinar um determinado conteúdo, o mais provável é que ninguém saiba disso. Se sua escola é boa, é difícil que alguém aprenda com base nas experiências dela. Nesse ponto, a maioria dos países precisa melhorar muito em relação ao que vem sendo feito.
Além de metas ambiciosas e atenção a todos os alunos, que outros aspectos os lideres do Pisa compartilham? .
SCHLEICHER- Uma característica comum aos sistemas educacionais eficientes é que todos eles atraem as pessoas mais capacitadas para o Magistério. Os salários iniciais são bons, o cargo é valorizado e há a perspectiva de crescimento profissional. Também existe um eficiente sistema de apoio ao trabalho em sala de aula. Outro aspecto é que há a constante busca para equilibrar a autonomia do professor e da escola com a grande responsabilidade que os acompanha.
Autonomia e responsabilidade não são princípios conflitantes?
SCHLEICHER- De jeito nenhum. Em muitos paises, é possível observar que esses dois fenômenos andam de mãos dadas. Na Suécia, um diretor de escola pode decidir se contrata mais professores ou se compra mais livros. Ou, no caso de ele ter um docente excelente na equipe, se deve pagar a ele mais do que aos outros. Quer dizer, esse gestor tem autonomia econômica. Mas ele também é responsável pelo comprometimento com as diretrizes nacionais, os parâmetros que deixam explícitos os resultados a alcançar. Ou seja; cada escola tem independência para administrar seus recursos, mas o preço dessa liberdade é o compromisso com um padrão de qualidade.
Aferir qualidade exige avaliação externa. Os educadores dos países de ponta não consideram isso uma interferência em seu trabalho?
SCHLEICHER- Não há nenhum tipo de constrangimento. A avaliação é encarada como um sistema que fornece permanentemente informações detalhadas sobre o desempenho de alunos e professores. Os dados mostram os pontos que prensam ser melhorados, servindo mais como um diagnóstico e menos como uma amostra do nível onde se está.
O que os professores precisam fazer com esse diagnóstico?
SCHLEICHER- Podem usá-la para repensar a prática na sala de aula. Se um professor recebe apenas a pontuação de sua aula, é muito provável que não saiba o que fazer com ela. Já um profissional que utiliza os resultados como forma, de aprimorar sua atuação tem em mãos uma ferramenta muito útil. Com a avaliação, o professor se vê no espelho, percebendo com clareza pontos fortes e fracos.
Há algum país em que o Brasil poderia se espelhar para dar esse salto de qualidade nas escolas?
SCHLEICHER- Não acho possível copiar um sistema educacional. O que é factível é observar as atitudes que tiveram êxito. Por exemplo, a China é um pais pobre, mas o valor que a sociedade atribui A Educação é enorme. Não é por acaso Que a instrução se constitui em um dos principais fatores de mobilidade social no país. Outro exemplo: a Coréia do Sul, que na década de 1960 tinha um sistema educacional muito pouco desenvolvido - e atualmente é um dos melhores do mundo. A razão da mudança foi a mesma: a valorização da Educação, algo que ainda precisa ser criado no Brasil.
Mas é possível conseguir Educação de qualidade sem o desenvolvimento social e econômico?
SCHLEICHER- É preciso antes de tudo averiguar o que é causa e o que é efeito. Em geral, a atitude de quase todos os países da América do Sul tem sido a de esperar que a economia deslanche para, quando enriquecer, ter um ensino de qualidade. Mas os exemplos da Coréia do Sul e da China mostram o contrário: essas nações são duas das que mais se desenvolvem hoje porque investiram em Educação. Anteriormente, o mesmo aconteceu com os Estados Unidos, que após a Segunda Guerra Mundial aplicaram muito dinheiro em instrução e Vêm colhendo bons resultados por décadas. A atitude de aguardar o crescimento econômico para depois 'comprar' mais Educação é improvável de acontecer. O desenvolvimento econômico não garante nada. Nem é preciso olhar para fora para perceber isso: basta ver as escolas brasileiras que têm recursos, mas não apresentam bons resultados quando comparadas à média. Por outro lado, é possive! apontar muitas instituições que, apesar das desvantagens sociais, se saem bem.
Referência Bibliográfica
A Melhoria da Qualidade e da Equidade na Educação:
Desafios e Respostas Políticas
Andréas Schleicher, 72 págs.
Editora Moderna – Edição Esgotada