quarta-feira, 30 de setembro de 2009

No Sinai

No Sinai

Luiz Felipe Pondé




Quando Voce estiver lendo esta coluna no dia 28 de setembro, caro leitor, eu estarei de jejum na sinagoga. Hoje é o Dia do Perdão, data máxima do calendário judaico. O que significa o Dia do Perdão? Um bom ponto de partida para pensar em seu significado é a passagem da Bíblia hebraica quando os hebreus, ao pé do monte Sinai, aguardam o retorno de seu líder Moisés com as tábuas da Lei.

Mas nem tudo saiu como se esperava: Moisés atrasa seu retorno (fica 40 dias na montanha) e o povo perde a paciência Quando volta, encontra os recém libertos da escravidão no Egito adorando um bezerro de ouro. Deus, irritado, mata a metade ali mesmo. A outra metade será con¬denada a vagar perdida pelo deserto do Sinai até que morram todos e seus filhos possam, enfim, entrar na terra prometida. E aí está o perdão. Dirá o leitor irritado: "Mas onde?".

Antes de tudo, caro leitor, tenha em mente que perdão e justiça não são a mesma coisa. O perdão é maior do que a justiça, ele cabe ali onde a justiça não seria suficiente. Você po¬de ser justo com alguma pessoa, sem perdoá-la.

Claro que muitos de nós, pessoas educadas, não acreditam que esta seja uma narrativa histórica, mas sim mítica. O que é um mito? Muita gente boa estudou isso: os psicólogos S. Freud e C.G. Jun& os historiadores das religiões M. Eliade, J. Campbell e K. Armstrong, e o filósofo E. Cassirer. Um modo minimamente correto de entender é pensar que o mito não descreve necessaria¬mente um fato histórico, mas sim vivências humanas ancestrais que falam do significado da vida.

Pessoalmente prefiro ler textos bíblicos como narrativas literárias, além, é claro, de lê-los como livros sagrados, caso a leitura seja confessional, que não é meu caso aqui. Minha restrição a leitura psicologizante ou marxista de textos bíblicos é porque estas leituras pecam por ferir a própria "trama", a fim de reafirmar a teoria que usamos para lê-lo. Explico- me.

O crítico Anatol Rosenfeld escreveu um ensaio em sua coletânea "Texto e Contexto" Cedo Perspectiva) chamado "Psicologia Profunda e Crítica", no qual ele dá boas dicas do porque não abordar um textoliterário reduzindo-o a excessos psicologizantes. Sua crítica cai sobre a tentativa de ler, por exemplo, Harnlet como mais um rapazinho que queria transar com a mãe e matar o próprio pai. Ou ler Santa Tereza d'Ávila em chave junguiana e verem seus escritos místicos mais um processo de individuação.

Acho que no caso freudiano a redução é ainda pior porque o conceito de inconsciente coletivo em Jung preserva um drama maior nos personagens do que uma mera "historinha de uma menina esquisita e sua mania neurótica por Deus". E, por isso, ele sustenta a dramaticidade para além da "mera" sexualidade neurótica da menina.

Para Rosenfeld, não devemos psicologizar personagens porque, ao fazer isso, vamos a "Hamlet" apenas para reencontramós a teoria de Freud e assim perdemos "Hamlet" e ficamos apenas com seu "mesquinho" complexo de Édipo. O mesmo, digo eu, acontece quando lemos a Bíblia à cata de interpretações marxistas ou políticas: lemos a Bíblia para rever a luta de classes e a disputa política, e o drama específico narrado se perde, junto com a força de seus personagens.

Neste sentido, se não entendermos a relação entre o "personagem" Deus de Israel e os heróis bíblicos para além de reduções psicológicas ou políticas, perdemos a força do perdão dado no Sinai.

Deus não precisa perdoar ninguém porque Ele não precisa de ninguém. Este é o personagem. Quando o povo trai a aliança depois de tudo que Ele fez, Ele poderia simplesmente destruir tudo. Fosse Ele ape¬nas justo, o sol pararia de brilhar.

A ideia que Deus seja misericordioso nasce do fato que Ele nos criou e é paciente conosco sem precisar sê-lo. Daí a afirmação comum na BÍblia hebraica de que Ele carrega o mundo na palma de Sua mão en¬quanto nós somos uma sombra que passa.

O filósofo judeu AI. Heschel (século 20) diz, num texto dedicado ao Dia do Perdão, que neste dia esta¬mos de pé diante de Deus. O sentimento é de "pahad" (medo em hebraico). Devemos abaixar a cabeça e tremer, desnudando um coração que diante de Deus é sempre nu. Evidente que, além do temor, está em questão as grandes virtudes hebraicas, a gratidão, a coragem e a humildade. O pó em nós estremece diante da imensidão infinita que é Deus. Ao ouvir o coração disparado de medo, devemos escutar nele a alegria que é existir.

ponde. folha@uol.com.br





O perdão é maior do que a justiça,

ele cabe ali onde a justiça não seria suficiente

Causa da Educação

 

A Causa da Educação

Milú Villela


Há um consenso cada vez maior da importância da par¬ticipação dos pais na vida escolar de seus filhos. Os resultados ex¬traídos da Prova Brasil mostram que essa participação pode contribuir pa¬ra melhorar o desempenho escolar, como mostrou recentemente um es¬tudo do Unicef. Por outro lado, essa participação é ainda muito tímida e os pais têm delegado às escolas a função da educação plena de seus filhos, o que é um grande equívoco.

Há um sábio provérbio africano que diz: "É preciso toda uma aldeia para educar uma criança". Sem a par¬ticipação efetiva dos pais e de toda a sociedade, fica difícil acelerar o tempo para que a educação brasileira pos¬sa melhorar, de forma que crianças e jovens não apenas passem pela esco¬la, mas, de fato, aprendam.

Ao completar três anos de existên¬cia no último dia 6/9, o movimento Todos pela Educação já pode come¬morar expressivas vitórias, graças ao trabalho em parceria com vários seto¬res da sociedade.

Por outro lado, o movimento sabe que ainda precisa colocar uma maior força na mobilização social pela causa da educação, o que não apenas irá re¬fletir numa maior participação dos pais na educação dos filhos como também em tornar a educação a prio¬ridade número um dos brasileiros.

A última pesquisa, realizada pelo Ibope/CNI, em 2007, por solicitação do movimento, mostrou que a educa¬ção ocupa a sexta prioridade entre os brasileiros e que 72% dos pais estão satisfeitos com a qualidade da educa¬ção oferecida aos seus filhos.

Isso é preocupante se levarmos em conta que, apesar dos avanços recen¬tes, o Brasil, em comparação com paí¬ses mais desenvolvidos, está muito distante quanto à aprendizagem de seus alunos, como revelam os resulta¬dos do Pisa.

Em relação, à meta de aprendiza¬gem do Todos pela Educação, por exemplo, só 23% dos alunos que con¬cluem a quarta série do ensino funda¬mental1 alcançaram o nível adequa¬do de aprendizagem em matemática. Na oitava série do ensino fundamen¬tal 2, esse percentual cai para 14% e, ao final do ensino médio, chega a 10%.

Para ter uma ideia do tamanho do desafio que teremos pela frente, a me ta de aprendizagem para 2022 é de 70%! Portanto, se, por um lado, temos metas claras para melhorar a qualida¬de da educação brasileira, o que há tempos atrás seria difícil de imaginar, por outro lado, estamos muito distan¬tes de oferecer uma educação de qua¬lidade para nossos alunos.

Em recente artigo, o professor José Pastore chamou a atenção para a bai¬xa qualidade da educação brasileira como o principal entrave para que o país ocupe posição de destaque no ranking mundial da competitividade.

Como envolver e sensibilizar os pais nessa importante tarefa não é al¬go simples, tratando-se de um país tão desigual entre suas regiões e de ta¬manho continental.

Nesse contexto, vale salientar o pa¬pel das denominações religiosas, que, em parceria com o Ministério da Edu¬cação e o Todos pela Educação, têm contribuído para envolver as famílias e os pais no processo educacional.

O tamanho continental do Brasil exige,por outro lado, o forte e decisivo envolvimento

dos meios de comunicação. O projeto “No ar”todos pela Educação", em parceria com a Asso¬ciação Brasileira das Emissoras de Rádio e Televisão (Abert), contando com mais de 2.000 rádios em todo o país, vem também ajudando nesse processo de mobilização pela causa de uma educação de qualidade para todos os brasileiros.

Cabe parabenizar a mais recente iniciativa da Rede Globo de Televisão, da Fundação Roberto Marinho e do Canal Futura pelo lançamento do Globo Educação, um programa sema¬nal, aos sábados, divulgando as boas práticas educacionais realizadas por escolas públicas de todo o país.

Outro belo exemplo da força dos meios de comunicação tem sido a mo¬bilização realizada pelo movimento, todos Educar para Crescer, da Editora Abril, em parceria com o Todos pela Educação, que lançou um conjunto de três cartilhas dirigi das aos pais e empresários com dicas para partici¬par da vida escolar de seus filhos e melhorar a qualidade da educação.

Neste momento em que o Todos pela Educação completa três anos de existência, estamos cientes dos avan¬ços registrados no processo de mobi¬lização social, mas precisamos avan¬çar ainda mais pela causa da educação e, assim, legar às futuras gerações um Brasil mais justo e verdadeiramente independente. Sonhamos com esse país e acreditamos que é possível com a participação de todos.



Publicado no Jornal Folha de São Paulo

dia 28/09/2009 Pag. Opinião Tendências/Debates

MILÚ VILLELA

é membro fundador e coordenadora da Co¬missão de Articulação do movimento

Todos pela Educa¬ção, embaixadora da Unesco e presidente do Faça Parte¬Instituto

Brasil Voluntário, do MAM (Museu de Arte Mo¬derna de São Paulo)

e do Instituto Itaú Cultural.
Powered By Blogger