quinta-feira, 31 de julho de 2008

Ensinar
a pensar


“De pensar morreu um burro” "Quem pensa não faz" ... Muitos ditos populares expressam um certo sarcasmo e um desprezo em re­lação ao pensar, revelando uma crença, alimentada há séculos, de que o pensar atrapalha, em­perra a ação, é coisa de quem não tem nada para fazer.
Quando se trata, então, da fi­losofia, esse deboche vai ainda mais longe, afirmando que to­do pensador não possui pé na realidade e vive numa torre de marfim
É certo que o tempo da refle­xão conflita com a urgência do agir. Mas nem sempre todo agir é assim urgente e, na maioria da vezes, parar para pensar nos, salva de decisões equivocadas e prejudiciais. Pensar a respeito de alguma coisa ou de algum acontecimento é compreender os seus verdadeiros sentidos e significados.
Um artigo publicado na Fo­lha no dia 10 de outubro deste ano comentava o Saeb, exame federal de avaliação da apren­dizagem de alunos do último ano do ensino médio. Mal alfa­betizados, esses adolescentes, nas palavras do jornalista, não conseguem, por exemplo, com­preender o efeito de humor provocado por ambigüidade de palavras ou reconhecer dife­rentes opiniões em um mesmo texto".
Quem não sabe ler não sabe dlstinguir nem rir de fato, nem pensar. E presa fácil de mistifi­cações e sujeições, obediente a. tudo o que causar a impressão mais forte.
O pensar, diz Sócrates, "abre os olhos do espírito". E isso quer dizer que a reflexão explicita mal-entendidos, desvela segundas intenções, percebe mentiras, desautoriza precon­ceitos, descobre manipula­ções ... Em decorrência, senti­mo-nos capacitados para esco­lher, dizer não, colocar limites, mudar a ordem das coisas, re­definir destinos, desarticular dominações ...
Em outras palavras, o pensar prepara nossa liberdade e nos­sa autonomia tanto quanto nos faz reconhecer as responsabili­dades que nos cabem nas situa­ções vividas.
Liberdade e autonomia, con­venhamos, não são comporta­mentos muito bem-vindos na esfera político-social, porque ameaçam o poder vigente.
E, na esfera da vida privada, a responsabilidade é, na maioria das vezes, temida e recusada pelas pessoas, porque cria en­cargos e compromissos. Liberdade, autonomia, res­ponsabilidade? ... O pensar põe em perigo. E, em grande parte, por isso mesmo, ele é estrategi­camente convertido em objeto de escárnio.
Ensinara pensar. É esse o único projeto que poderia nos tirar do atoleiro de pobreza, de violência e de impotência em que vivemos .. É um projeto cuja origem não está em nenhuma economia nem ideologia ou política oficial. Não. precisa de equipamentos especiais nem depende da criação de uma secretaria do pensamento . .E só uma atitude. Ensinar a pensar, Aprender a pensar.

DULCE CRITELLI – Quinta Feira 25 de outubro 2007 –Folha de São Paulo
Terapeuta existencial e professora de filosofia da PUC -SP, é autora de "Educação e Dominação Cultural"
e "Analítica de Sentido" e coordenadora do Existência -Centro de Orientação e Estudos da Condição Humana

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